Atitudes sobre Saúde Mental na Comunidade Vaishnava
Como as atitudes atuais muitas vezes impedem os devotos de reconhecerem ou aceitarem a doença mental / emocional e, conseqüentemente, procurarem ajuda adequada.
Por Arcana-siddhi devi dasi*
Embora a doença mental seja estigmatizada na sociedade dominante, grades esforços têm sido feitos ao longo dos últimos vinte anos para mudar as atitudes sobre a doença mental através da educação. A sociedade da ISKCON (e provavelmente outros grupos Gaudiya) ficam para trás em aceitar a doença mental entre seus membros e, assim, tratá-la efetivamente. Devotos que lutam com a doença emocional / mental acham que há pouca compreensão ou simpatia para com isso.
A maioria das minhas experiências vem de devotos que falam na terapia sobre como eles percebem a si mesmos na comunidade Vaishnava. A maioria deles são muito cuidadosos sobre quem e o que dizem aos outros sobre as suas condições.
Isto, obviamente, torna difícil para eles ter relações autênticas com a maioria dos outros devotos. Os medos, na maioria das vezes relacionados, são de que os devotos não vão entender como é que eles puderam ter cantado e seguindo esse processo para pela x quantidade de anos e serem afetados por esta incapacidade emocional. Eles podem concluir que é devido à sua própria insinceridade e podem até desistir das mesmas práticas que irão acabar por trazer-lhes alívio.
Krishna pode usar os nossos problemas mentais para nos ajudarEntão como é que um devoto pode ainda sofrer de doenças mentais debilitantes? Ao olhar para esta questão temos que olhar para o devoto que está seguindo o processo contra o devoto que não está. O último grupo é mais fácil de entender. Pessoalmente, não há dúvida em minha mente que, se eu parasse de cantar, eu rapidamente recaíria na depressão. Sabendo disso, sempre fui muito cuidadoso ao fazer o cantar ser uma prioridade na minha vida. Ouvi inúmeras histórias de devotos que voltaram a consciência de Krishna ou à retomada de suas práticas, após sofrerem de uma doença mental
É fácil ver a mão amorosa de Krishna envolvida em trazer um devoto de volta para a associação dos devotos. A parte mais difícil de entender é como Krishna usa a doença mental como uma maneira de ajudar um devoto (ainda em um bom padrão devocional) para avançar espiritualmente.
A maioria dos devotos pode aceitar uma condição física adversa em sua jornada devocional como misericórdia especial do Senhor para ajudá-los antecipadamente. Mas, uma condição adversa mental é mais difícil para a comunidade devocional de compreender e aceitar.
Não seria esperado que o processo de serviço devocional trouxesse a um devoto equanimidade mental?
Não seria esperado que o processo trouxesse ao praticante paz para a mente?
Então, como pode um devoto sincero desenvolver um transtorno de ansiedade, depressão ou psicose?
Eu tenho trabalhado com um número de devotos que têm sofrido com essas condições. Cada um tem uma história única para contar sobre como a doença mental particular aumentou sua devoção e os trouxe mais perto do Senhor.
Estudos de Caso
Pode ser útil olhar algumas dessas histórias para entender como Krishna usa transtornos mentais espirituais para trazer resultados positivos. Os nomes serão alterados e quaisquer informações que possam revelar a identidade não serão incluídas para proteger a confidencialidade.
Krishna Das
Krishna Das (este não é seu nome real) era um devoto que fazia muito serviço, tanto enquanto vivia no templo, quanto fora dele. Ele foi capaz de iniciar grandes projetos e vê-los até o final. Ele tinha padrões elevados para si mesmo, assim como para os outros. As pessoas o viam como rígido e insensível. Ele não tinha nenhuma relação estreita, embora fosse muito respeitado pelo seu serviço e sua atitude honesta. Quando ele veio procurar ajuda, ele estava se sentindo deprimido sobre sua vida. Ele não tinha amigos íntimos, tinha pouca ligação emocional com a esposa e filhos e se sentiu sobrecarregado com a empresa que tinha construído. Ele sentia que estava caminhando para a ruína.
Após as sessões iniciais, ficou evidente que este devoto estava sofrendo de um grave transtorno de ansiedade. Isso foi muito difícil dele reconhecer inicialmente. Por um lado, ele havia "dirigido" a maioria de sua vida e realmente não sabia como era sentir-se internamente pacífico. Por outro lado, ele sempre pensava em pessoas com algum tipo de doença como fracos, o que falar de um transtorno mental. No entanto, como ele continuou em sua espiral morro abaixo, ele começou a aceitar que estivesse sofrendo de alguma angústia mental e estava aberto a obter a ajuda que ele precisava para começar a reconstruir sua vida.
Durante os anos seguintes, ele fez uma série de alterações de mudança de vida. Desistiu de seu negócio muito lucrativo e começou a trabalhar em um emprego de estresse muito baixo. Ele e sua esposa fizeram mudanças em seu estilo de vida para acomodar a queda na renda e em troca tinham mais qualidade de tempo para passarem juntos. Ele começou a desenvolver um relacionamento mais íntimo e amoroso com sua família e com outros devotos. Ele também começou a sentir mais prazer em assistir as funções do templo e realizar seu sadhana. Sua natureza crítica e censuradora foi transformada e ele se tornou uma pessoa carinhosa e compreensiva.
Ao longo dos últimos quatro anos em que lidou com seu transtorno de ansiedade, ele passou a ver os grandes benefícios que isso trouxe para ele. Ele ainda tem que ser cuidadoso para não voltar aos seus padrões antigos e sempre quando o faz, Krishna é rápido ao lembrá-lo através do sofrimento mental que ele sofre como resultado.
Outro processo
Eu trabalhei com outro devoto que viveu em um templo durante quinze anos e sentiu uma forte inclinação para se casar. Ele planejava continuar a fazer o seu serviço e viver no templo com sua esposa. Ela, porém, queria sair e viver na comunidade. A situação era tão perturbadora para este devoto que ele tinha pensamentos suicidas e tornou-se quase catatônico. Ele foi hospitalizado com um transtorno depressivo maior. Em posterior tratamento com este devoto, ele foi capaz de resolver a sua baixa auto-estima e pensamentos de que ele não poderia ter sucesso fora do templo.
Embora este devoto fosse extremamente brilhante e pudesse facilmente ter encontrado um emprego, ele não acreditava em si mesmo. Ele tinha sido severamente abusado quando criança e as fitas que tocavam em sua cabeça eram: "você nunca vai ser nada, você nunca vai ser bem-sucedido, você é um inútil pedaço de fezes", e assim por diante.
Este transtorno mental do devoto permitiu-lhe reconhecer e abordar as questões que ele nunca teria olhado de outra forma. Após um ano de terapia, ele ganhou confiança suficiente para encontrar um emprego fazendo trabalhos de contabilidade e rapidamente subiu na empresa na qual ele foi trabalhar. Ele viu claramente como Krishna usou o transtorno depressivo como uma forma de ajudá-lo a adquirir independência em sua vida. Ele tem uma visão muito diferente de si mesmo e do mundo agora. Isso também tem o incentivado a pregar para outras pessoas sobre a Consciência de Krishna, algo que ele evitava fazer anteriormente.
Enterrando nossa bagagem emocional
Parece que muitas vezes quando chegamos à Consciência de Krishna, nós enterramos toda a nossa bagagem emocional e assumimos que qualquer disfunção residual desaparecerá com o cantar, mas cantar vai trazer essa bagagem emocional para a superfície.
Se não sabemos como lidar com os sentimentos e pensamentos que podem surgir, como bolhas no ghee, vamos usar a nossa energia psíquica para encobri-los. Estas impurezas, ou anarthas são tóxicos para o corpo sutil. Apesar disto, devido ao nosso medo de sentir dor ao olhar para as coisas "velhas", reprimimos estas questões.
É quando Krishna intervém e orquestra uma crise mental obrigando-nos a lidar com essas impurezas tóxicas. Se reconhecemos a mão amorosa do Senhor nessa intervenção, nós iremos nos beneficiar enormemente. Se nós vemos isso como castigo ou não relacionado ao nosso caminho espiritual, nós podemos acabar deixando a associação dos devotos, ou continuamos a sofrer na nossa sombra da consciência de Krishna.
Crise de saúde mental análoga à crise de saúde físicaTodo este processo é análogo a uma crise de saúde física. Três anos depois que me juntei à ISKCON, eu tive uma crise de saúde. Eu estava atormentada com infecções e furúnculos. Os médicos alopatas prescreveram antibióticos que limpavam a infecção por alguns dias e depois reapareciam. Depois de alguns ciclos disso, eu comecei a perceber que as infecções foram tornando-se resistentes ao tratamento e eu estava em apuros.
Meu corpo estava muito intoxicado de anos de “junk food” e carne, antes de me tornar uma devota. Eu também tinha meu sistema imunológico comprometido, pela tomada crescente de antibióticos. Desde que eu nunca compreendi a ligação entre a nutrição e a saúde, comia quantidades excessivas de açúcar, farinha branca e ghee, enquanto vivia no templo. Esta crise de saúde obrigou-me a fazer uma limpeza interna natural, para mudar minha dieta e começar a me exercitar. Como resultado geral a minha saúde melhorou consideravelmente.
Se a crise da saúde não tivesse vindo, eu teria continuado a comer mal, ignorado exercícios e minha saúde teria quebrado gradualmente até que terminasse com uma doença crônica ameaçadora à vida. Assim, de uma maneira similar, crenças errôneas e atitudes sobre o mundo em que vivemos, assim como nosso ego, ditam os nossos sentimentos e comportamentos. Padrões negativos de pensamento auto-destrutivo irão corroer a nossa qualidade de vida e, eventualmente, conduzir a uma avaria mental e física.
Importância de líderes mentalmente saudáveis e de fornecer treinamento para todos os devotos
É importante entender como os devotos que compõem a ISKCON contribuem cada um para a saúde mental global do movimento. Pensamentos disfuncionais e ações insalubres permeiam nossa sociedade, principalmente quando a origem é um dos nossos líderes. Temos uma responsabilidade com nós mesmos, com a sociedade da ISKCON, e com a sociedade maior, de sermos indivíduos mentalmente equilibrados que praticam a consciência de Krishna com integridade e consciência. Temos visto ao longo dos últimos trinta e cinco anos que os devotos muitas vezes beneficiam-se de completar suas práticas espirituais com a terapia, livros de auto-ajuda, e seminários de auto-aperfeiçoamento.
Ao longo dos últimos dez anos, a ISKCON adicionou cursos e seminários sobre comunicação, resolução de conflitos, mediação e habilidades de relacionamento. Vários devotos retornaram à escola para se graduarem na assistência e outras áreas afins. Isso abriu as portas para novas oportunidades de ajudar as comunidades a desenvolver relações devocionais equilibradas e saudáveis.
Esse aspecto adicional do movimento da ISKCON deve ser incentivado e expandido. Os devotos que sofrem de problemas de saúde mental devem sentir que podem encontrar ajuda compassiva e treinada dentro de nossas comunidades. Também precisamos trabalhar na redução do estigma associado à procura de serviços de saúde mental para que os devotos tenham a ajuda que precisam.
*Arcana-siddhi devi dasi foi iniciada por Srila Prabhupada em 1976. Ela é assistente social clínico licenciado (LSCW). Atualmente vive em Ridge Sandy, Carolina do Norte com o marido e o filho e trabalha em consultório particular.
Fonte: http://namahatta.org
Tradução: Vaisnava Krpa devi dasi ( HDG)